Relato de parto 2

Relato de parto 2 - A DOR DO PARTO

  

Eaí!? Doeu?

Quando a dor é bem-vinda

 Por Lilian Sarli 

 

A pergunta mais conhecida no mundo das gestantes é se o parto dói. A dor do parto, quando ainda é desconhecida pela mulher, pode atormentá-la até o final da gestação e muitas vezes é fator decisivo na escolha do tipo de parto. Por isso sempre que posso dou o meu relato de parto enfatizando esta questão.

Parece bobo falar sobre este assunto, mas no mundo da gestação esse medo pode fazer toda diferença. Quando ouço as mulheres justificando uma cesárea porque tem muito medo da dor do parto, eu penso: " - É preciso informação!". Informação que seja clara, sem mentiras, sem enganação. É preciso mais relato de parto enfatizando a dor do parto. 

Para poder ajudar algumas mulheres a entender o sentido da dor do parto e não a dor em si, porque cada mulher vai sentí-la de um jeito, estou dando o meu relato.

 

Quando me perguntam sobre a dor do parto eu falo que foram 4 diferentes fases.

 

Primeira Fase da Dor: PRÓDROMO

 

A primeira fase foi a do pródromo. Para mim foi uma fase muito tranquila. As contrações irregulares eram suaves e fáceis de se levar.

Minha filha foi extremamente ativa na gestação e muitos se espantavam com tanto rebuliço dentro da minha barriga. Ela se contorcia toda para um lado e depois toda para o outro. A barriga ficava bem irregular e era nítido ver a festa que ela fazia por dentro. Cada contração que eu tinha nesta fase do pródromo era como se tivesse uma cãibra na barriga toda, mas a sensação era quase a mesma de quando minha filha se empurrava toda para um lado só. Portanto, demorou para eu entender que já eram pequenas contrações. Passei o dia bem. 

 

Minhas primeiras contrações começaram na madrugada do dia 11/12/2013. Acordei de hora em hora, com incômodos ou vontade de ir ao banheiro urinar. Acordava, ia rápido ao banheiro e voltava para cama. Entretanto, eu passei os nove meses da minha gestação sem precisar ir “correndo” para o banheiro urinar, justamente porque trabalhei o meu períneo com exercícios específcos para ficar com força e resistência suficiente para não alterar meu assoalho pélvico com a carga extra da gestação (Leia mais em PERÍNEO). Quando chegou por volta das 5 da manhã, eu me dei conta que os incômodos não eram vontade de ir ao banheiro, eram incômodos mesmo. Alguma coisa estava diferente. Sentia uma pressão muito grande na região da sínfise púbica e assoalho pélvico. Era um desconforto misturado com uma mensagem de que minha filha estava quase pronta para nascer. Informei minha obstetra que tinha algo diferente, mas que estava tudo bem. Tentei ficar deitada na cama, mas não estava confortável ficar nesta posição. Então resolvi me levantar.

Fiz tudo normalmente na parte da manhã. Fiz minhas unhas das mãos e dos pés (cutícula e pintura), fui depilar, assisti meu afilhado numa apresentação de natação, tudo com as contrações dos pródromos. Na hora do almoço arrumei o quarto, e lavei o banheiro e a banheira que eu ia usar na hora do parto, e decorei com orquídias e velas o local, do jeito que eu queria. Esta primeira fase foi super agitada. As contrações me acompanhavam, mas não me limitavam à nada. 

O mais interessante desta fase foi que eu não sabia que existia essa fase dos pródromos. Eu não tinha avisado minha equipe que eu estava tendo “pequenas contrações irregulares” porque eu não tinha certeza que eram contrações. Eu apenas tinha comentado com a equipe que alguma coisa estava diferente. Eu estava no interior de São Paulo e avisei meu marido, que estava trabalhando em São Paulo-capital, para vir ficar comigo porque achava que dessa semana não passaria, rs. Uma loucura, né!?, minha filha já estava batendo na porta.

Seria ótimo se todas nós mulheres tivéssemos o conhecimento de todas estas fases do trabalho de parto. Identificar cada uma delas e saber o que está acontecendo nos deixa mais tranquilas e com mais autonomia.

 

Segunda Fase da Dor: TRABALHO DE PARTO

 

A segunda fase foi quando entrei em trabalho de parto. Já eram 15 hrs quando ritmaram minhas contrações de 15-15 minutos. Desta vez avisei toda equipe que as contrações tinham se ritmado, mas que eu estava muito bem e era só alegria!

A partir daí a dor começou a aumentar gradativamente, mas mesmo assim, ainda eram tranquilas. Às vezes eu sentava, às vezes eu andava. Às vezes eu precisava parar de falar quando vinham as contrações.

Não tem como descrever aqui o imenso prazer e alegria que eu estava sentindo em saber que estava prestes a parir minha filha. Era tudo tão perfeito e nada tinha para dar errado. Eu havia trabalhado meu corpo antes de engravidar e durante toda a gestação. Minha consciência corporal me ajudava a sentir cada fase das contrações. Sentia meu períneo forte e com saúde e meu corpo todo equilibrado. Em nenhum momento eu sentia medo. Meu corpo estava explodindo de ocitocina, meu coração estava irradiando amor e meu corpo estava pulando de alegria. 

A minha felicidade de entrar em trabalho de parto era tamanha que não conseguia pensar em mais nada, só conseguia sentir a energia maravilhosa que minha filha estava passando para mim. E eu sentia ela dizendo: " - Mamãe, estou chegando!" E por isso quando me perguntam da dor das contrações, se referindo à sofrimento, eu sempre respondo que a dor do trabalho de parto não é sofrimento, é um nome que não combina neste momento. Toda vez que eu sentia a dor vindo de dentro, sentia que era minha filha batendo na porta e dizendo: " - Mamãe, estou quase chegando!".  

As 17:00 hrs eu já estava com contrações ritmadas de 5-5 minutos.  Eu já estava preferindo ficar de pé, andando e me apoiando nas paredes, móveis e marido quando chegavam as contrações. Foi quando a enfeira chegou para fazer a primeira avaliação. Estava com 6 cm de dilatação. Mais uma vez não sei descrever o que senti quando ouvi "6 cm de dilatação". Foi praticamente um: "Parabéns, está tudo perfeito e sua filha está descendo!" Estava tudo perfeito. Minha mente e meu corpo, eu e meu marido, eu e minha equipe, eu e minha filha, estávamos todos numa grande sintonia. 

 


 

E a dor?! Ah é. A dor neste momento era assim. As constrações rapidamente passaram para 3-3 minutos. Eu já estava fora do tempo e meu mundo estava conectado somente à minha filha. A energia que me vinha era toda transmitida à ela. Era muita alegria e gratidão por estar recebendo minha filha. Era muita ocitocina na veia. Mas logo vinha uma dor forte, de silenciar tudo ao redor. Agora sim, as contrações quando vinham me tiravam da “tomada” - não falava, não ouvia e qualquer coisa (barulho ao redor) me irritava. Queria apenas paz, silêncio e concentração para ouvir, sentir e entender o que meu corpo e minha filha queriam de mim.  

E eu pensava: "- Como a natureza consegue ser tão perfeita?" Eu conseguia sentir as mãos de Deus o tempo todo sobre nós duas. E a cada contração eu a sentia: "- Mamãe, está sentindo? Estou aqui, trabalhando e me esforçando para me encontrar com você!"

 

        

 

 

Terceira Fase da Dor: EXPULSIVO

 

A terceira fase foram as últimas contrações. Trabalho de parto ativo. Nesta etapa consigo dividir em 4 momentos. Talvez quando se conhece anatomia e fisiologia do corpo as sensações sejam mais aguçadas. Entretanto, os exerícios realizados durante a gestação de propriocepção, mobilidade, alongamento e força do corpo, principalmente da região de quadril e assoalho pélvico, te deixam mais à par de tudo o que está acontecendo no seu organismo.

 

 

 

- Fase do puxo. Após as contrações finais do trabalho de parto que foram bem doloridas, veio a fase do puxo, quando surge aquela vontade natural de fazer força para empurrar. Neste momento do trabalho de parto ativo, a cada contração dolorida dava para sentir a minha filha descendo devagar.

Vale ressaltar que nesta fase não é obrigatório fazer força. Nem todas as mulheres fazem força e os bebês nascem naturalmente. Entretanto, se fizermos a força somente na hora do puxo, momento da contração e da vontade de empurrar, otimiza a decida do bebê.

 

- Fase dolorida. Em seguida veio uma fase dolorida, da abertura da sínfise púbica, quando a cabeça e o corpo vão passando entre os ossos do quadril. Isto era o que eu sentia por dentro, mas a lógica é da abertura ir acontecendo aos poucos e não de uma vez só.

 

- Fase do círculo de fogo. E por último veio a fase do círculo de fogo, que é uma dor que arde ao redor do períneo, quando este precisa se alongar ao seu limite extremo. Já tinha lido e ouvido falar desta fase e é realmente impressionante sentir esta fase. Era exatamente o que eu imaginava depois de tudo que eu li a respeito.

 

Após a cabeça da minha filha ter passado mais que a metade para fora, já não sentia mais nenhuma dor do trabalho de parto. 

Nota: As contrações durante o trabalho de parto ativo foram intensas e bem fortes. Porém, depois de cada contração a minha dor era nula. Não sentida nenhuma desconforto entre uma e outra contração. Nestes períodos curtos sem contraçao, eu conseguia pensar e falar, conseguia ver se minha filha estava saindo, e conseguia sentir o que eu deveria fazer na próxima contração. A equipe é extremamente importante nesta fase para orientar a gestante. 

É emocionante você conseguir sentir estas três fases. Você consegue se conectar de uma forma fantástica com sua filha. É uma energia fundamental para que mãe e filho trabalhem juntos. É a conecção do amor e da natureza. Trabalho em equipe.

 

 

 

Quarta Fase da Dor: PÓS-PARTO IMEDIATO

 

Dor pós-parto. Laís nasceu empelicada, nas minhas mãos. Quando a trouxe para perto do corpo, no meu abraço, eu sentia duas coisas: um sentimento de amor, prazer, alegria, gratidão, poder, um sentimento divino que não tem como explicar; e ao mesmo tempo eu sentia uma ardência na região do assoalho pélvico. Esta dor pós-parto não li em nenhum relato de parto, mas pude perceber que praticamente todas as fotos de pós-parto imediato as mulheres ficam com as pernas fechadas e com flexão de quadril e joelho. Foi o meu caso também. É uma posição de conforto para esta ardência. Mesmo que esta dor seja leve e muito amenizado com todos esses sentimentos maravilhosos de ter seu filho nos braços, ela existe e persiste por algumas horas após o parto.

 

 

Conclusão:

 

Os últimos minutos do parto parecem uma eternidade. É uma mistura de muita dor e de um prazer imensuravel de parir. É a hora em que conhecemos a nossa força maior, mulher poderosa, forte e sensível ao mesmo tempo. A natureza nos deixa nús e conseguimos por um momento acreditar em todo nosso potencial. A dor nos faz esquecer das imperfeições e do mundo moderno, a mulher primitiva volta e conseguimos de forma milagrosa parir nossa cria. Esta é a única dor que é muito bem-vinda à nós mulheres. A dor que transforma nossa mente e nosso corpo. A dor que nos tira do tempo e do mundo. A dor que nos trás a bênção de um filho. A dor que faz de nós mulheres tornarmos mamães.

 

 

Mamãe: Lilian Sarli Tamura

Papai: Leonardo Tamura

Filha: Laís Sarli Tamura 

Laís nasceu empelicada com 39 semanas e 4 dias, no dia 11/12/13, as 21:26 hrs, com 2655 g, 49,5 cm e Apgar 09/10.

 

Leia: RELATO DE PARTO 1.

 

 

Fisioterapeuta Dra. Lilian Sarli

Mestra pela Unicamp / Ortopedia e Medicina Esportiva
Crefito: 123955 - F
 
Gestação Saúde

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